sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Mais micro-contos!

24)

Os olhos perderam-se. Após aquela cena, de tanta mágoa e ferimento, chegar em casa foi o início da angústia: que dor seria aquela? Que vontade doida de exterminar com o problema! Que desejo era este? Seria um calmo, gentil alfinete? Te cutucaria, machucaria e verteria mínimas gotículas de sangue, que embeberiam tua face? Qual amor resistiria a isso? Ela caminhou para casa e se foi. Não se foi de meu pensamento. Os medos dela naquele instante passaram a ser os meus de agora: ela me ama. Que amor é esse? Que calor é esse? Que odor é esse? Que cheiro de desejo perpassa a humilde porta do amor singelo? Sacraliza-se a imagem, imortaliza-se o sentimento: sinto que te amo, não por uma hora, nem por um instante. Te amo por tudo que ousou criar dentro de mim. 

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25)

Só sei que ainda há um pedaço meu lá fora que ainda tarda a regressar. Desde que a deixei, parti para uma jornada sem rumo: sou um crucifixo solto em meio às mãos que não me adoram. Viro-me para o lado e vejo tua foto, um sussuro de felicidade - agonizada pela ausência da singela flor. Afundou-se a sereia? Despedaçou-se a violeta? Perdeu as asas o anjo? Caminhando por trilhas inseguras de tempo e espaço, não noto mais por onde meus pés passam. Ao olhar pra frente, deparo-me com um imenso vazio: o que estaria guardado pra mim? Simplificando meu olhar, percebo que meu coração ainda palpita tranquilo - sei que ela caminha em minha direção. Os desvios da distância podem ser irretocáveis, mas as trilhas de uma sintonia perfeita não se desmontam com apenas proferimentos incertos. Seja onde estiveres, saiba que vou ao teu encontro. 

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26)

Deitado num leito de sangue, o coração palpitava devagar. Os olhos, fixos no teto branco e cheio de teias, contemplavam um horizonte temível: a imagem do fato lhe trazia a morte mais próxima. A faca ainda estava no quarto. Os ferimentos continuavam abertos. O sangue vertia lentamente, como numa contagem lenta para um grande final. Ele não consegue se virar para o lado. Os braços estão praticamente imóveis. Ninguém o escuta. Ninguém o vê. Sua mente já se esvazia. O que sobrará desse momento? Alguém abrirá a porta e verá o ocorrido. Ou não? Quanto mais o tempo passava, mais o fim estava próximo. Ele não queria que alguém entrasse. Queria que ela entrasse. Mas ela não vem. 

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27)

"Eu preciso de um tempo".
Foi a última frase que escutou, quando esperava ver sua reação. A faca continuava no chão. O sangue ainda vertia lentamente. Só que, ao contrário de toda desesperança, alguém abriu a porta. 
"Não!", gritaram. 
Ele não via quem era. 
"Vamos! Precisamos levá-lo!", falou um paramédico, voltando para o outro. 
Prontamente, o corpo que jazia em fins de agonia parecia agora temer pelo pior: sair vivo. "Não há tempo pra te reencontrar", ele pensava. Ruía em longas trilhas de tristeza toda a sua esperança. 
"A maca! Cadê a porra da maca?!", exaltou-se o outro paramédico. O motorista salta da âmbulância e busca o objeto pedido. "Eu não posso seguir assim", ele pensa, enquanto seu corpo maltratado é carregado. Ouve-se um tiro. Todos param. "Rápido, temos de sair!", grita o motorista. "Eu preciso me levantar. A faca", falou baixinho o paciente. "Ela não pode sair..." 
Os paramédicos levavam o homem até a UTI móvel quando percebem que os olhos dele lacrimavam sangue. "O que esse homem fez?", um se questionou. "É um choro santo", pensou o homem. "É o choro da sinceridade em dia de trevas." 

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28)

Recuperado do acontecido, já não mais pensava nela. Passaram-se muitos dias. Quem no mundo creria que finalmente a esqueceria? Era hora de reabilitar sua mente. Principalmente seu corpo. A mente aos poucos curou-se, mas seu corpo ainda sentia as dores dos golpes. De cada um deles. E pensar que ela nunca faria isso. Desperdiçou tempo, sentimentos, dinheiro, companhia, estudos, trabalhos, jogos, vontades - para ficar com ela. No entanto, o golpe da vida lhe foi mais forte. "Nunca mais", ele pensava, "nunca mais vê-la por perto". 

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29)

O show foi fantástico. O guitarrista, entusiasmadíssimo, gritava ao baterista: "vamos conquistar o mundo!". O baterista vira-se para o público, que aplaudia incansavelmente uma apresentação realmente impecável dos artistas. "Sim, nós vamos, meu!", respondeu ao que tocava guitarra. "Vamos lá, temos de cumprimentar o povo", disse o vocalista. Os seis elementos se abraçaram lateralmente, curvaram-se, expandindo dentro de si os gritos de cada fã. Era fácil identificar a felicidade em casa um. Aos artistas, restou voltar ao camarim, secarem-se, trocarem-se, pegarem seus pertences, irem à van que os levaria de volta. Aos pouco mais de 40 que estavam no local, durante a apresentação, risos, gargalhadas, conversas e pouco entusiasmo pela continuidade da noite. Foram todos para casa. 

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30)

Abri a janela. Deixei o sol entrar. O cheiro do orvalho recém queimado pelo sol ainda jazia na região. Olhei para o sol e, depois de tantos dias, via-o plácido e sem interferência das nuvens. Abri a janela e deixei meu corpo sentir o calor. Há quanto tempo não respirava esse ar? Há quanto dias não sabia o que era essa energia? O tempo no hospital passou. O tempo de minha vida brotara novamente.
"Posso entrar?", ela questiona. 
"Claro.", consinto. 
Ela para defronte mim. Sorria incansavelmente. Era contagiante, inegável. Sorri com ela. 
"Eu nunca teria feito aquilo", avisei. 
"Eu sei", ela falou, "e agora nunca mais precisaremos disso." 
Ela vem ao meu encontro. Um abraço calmo nos uniu. Um beijo doce nos eternizou. 

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31)

Quando o viu, não soube o que fazer. Deveria se esconder? Deveria ir atrás dele? Deveria cumprimentá-lo e nunca mais vê-lo? Agora? Depois? No caixa, na saída ou esbarrando com o carrinho de compras? Não sabia mesmo o que fazer. Enquanto isso, ele passava com o carrinho vazio, apenas com algumas bebidas e comida congelada. Ela faria a janta pra ele, se pudesse. Ela o convidaria pra degustar um bom vinho, para sentirem o aroma exalado pelo copo juntos. "É seco, mas com uma textura aveludada", diria. Aveludada? Louca. Faria um prato de saladas variadas, cheio de diversas especiarias. E uma lasanha caseira, ao melhor molde italiano. Seria perfeito. Enquanto isso, seu carrinho seguia vazio. Enquanto isso, ele estava no caixa. 

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32)

Enfeitando a vida alheia, o palhaço resolveu interagir com seu sonho.
"Posso te fazer uma cocegazinha?", ele riu. 
"Não", bradou o sonho. 
O palhaço, sentindo a indelicadeza das palavras, estranho. O sonho não era seu? Por que respondia daquela forma tão ingrata? Não entendia nada. 
"Você está em mim!", ele falou. 
"Mas teu ser não me criou", respondeu. 
Entendia menos ainda. Como poderia o sonho não ter sido criado por ele? Afinal, habitava sua mente... De onde viria? 
"Como assim?! De onde veio?", questionou. 
"Eu não vim. Eu sou." 
O palhaço tenta parar de pensar. Volta-se à maquilagem, aos pensamentos perdidos da próxima e derradeira apresentação. Era a última vez que adentraria a arena. 
O pancake branco fez-se presente. O contorno exagerado do lábio em batom vermelho, subindo o buço e descendo ao queixo também. Pegou seu nariz vermelho. Olhou-se mais uma vez. Colocou a peruca, o chapéu colorido. Era a hora. 
Concentrou-se. 
"Eu sempre estive contigo", clamou o sonho, "e desistir agora não me fará distante de ti". 

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33)

‎"Hahaha".
Ria compulsivamente. O som emanado pela sua boca contagiava os demais. Ele estranhava. Ela ria demais. Ria além do necessário. 
"Mas olha só, tu não viste o que aconteceu com ele? Foi horrível!", e gargalhava ainda mais. 
O que teria de tão engraçado no que aconteceu com ele? Sempre fomos amigos, sempre conversamos, ríamos juntos das mesmas bobagens, dos mesmos problemas. O que será que acontecia agora? Eu o queria aqui pra presenciar isso. 
"E ele me olhava de um jeito tão gozado, me fazia dizer 'que cara de bunda é essa, mano?'", e continuava a gargalhar. 
As pessoas começaram a estranhar. 
Um de seus tios deu as costas. Olhou para a esposa e disse para irem pra casa. A avó horrorizava-se com cada nova palavra. Os trejeitos dela fizeram com que a madrinha se levantasse e fosse ao banheiro. Alguns ainda riam. 
"Agora, quando ele foi fazer aquilo..." - conteve-se um pouco. Logo, gargalhou: "Ele se achava o melhor idiota de todos os tempos!" - e ria desesperadamente. 
A mãe se revoltou: "Baixe essa voz! Estamos num momento de respeito!" 
"Ótimo", respondeu ela, "pois eu tenho tanto respeito pelo falecido que tô com Ecstasy! Entendeu? Êxtase, ecstasy..." - e ria mais e mais. 
Pronto, fim do mistério: o que matou o meu amigo estava no corpo da desalmada. 

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34)

Giana não tinha pai. Seu único sonho era ter um filho homem, para o qual dedicaria seu tempo e ensinaria a ele como tratar uma mulher. Só que Giana não tinha companheiro. Ela queria um homem perfeito para um namoro perfeito, coberto de histórias perfeitas. Mas Deus não estava disponível para o matrimônio. Foi então que Giana pensou em ser imperfeita: uma série de motivos esdrúxulos a levaria a desmoronar seus ideias. Que eram perfeitos. Ela se sentia perfeita. De tão perfeita, abdica da perfeição para se tornar imperfeita. "Agora ninguém terá do que reclamar", ela pensa. Ela não sabia ser imperfeita. De que adiantaria reduzir sua perfeição se o que deseja atingir era justamente isso? "Eu sei que posso ser mais", ela pensou. Ela apenas nunca pensou que ser humana não a faria uma deusa. 

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35)

Era chegado o grande dia.
A luta por um mundo chegara na grande consequência. Era o dia da batalha final. De um lado, Jesus e seus fiéis seguidores partilhavam do poder do amor para manterem a vida em primeiro lugar; de outro, Lúcifer e sua legião de demônios, uma mais atroz que o outro, para proliferar o ódio. 
Ruflaram os tambores. 
De um lado, Jesus sentou-se. Ovacionado pelos seguidores, não prestou quaisquer comentários sobre como procederia. De fato, todos sabiam o que ele era, quem ele era e por que ele era. Ele era o representante d'Ele. 
Do outro lado, Lúcifer veio em espectro. Não direcionou ninguém, pois era certo de sua vitória. Poderoso nas trevas, dos batéis infernais entupidos de almas pecadoras vinham gritos de apoio e maledicências. Sentou-se em frente ao adversário. 
Era a hora de oporem suas forças. 
Esticaram seus braços. Dobraram-no para elevar o ante-braço. Deram-se as mãos. 
A primeira rajada de um temporal daria início à Última Batalha. Era tempo de guerra. Era tempo de escuridão. E assim o tempo fechou-se. Assim preparam-se. 
A água começou a cair. 
E a rajada veio. 
Iniciou-se a luta. 
As forças foram medidas indescritivelmente. Ora o braço divino era vencido; ora o braço infernal cedia. Ninguém, no entanto, tocava a mesa para que a vitória fosse decretada. Lúcifer garantia-se pela força bruta; Jesus, pela força dos sentimentos e pela concentração. A vitória não era de ninguém, até que uma nova trovoada fez com que o divino desconcentrasse. 
Era praticamente certa a vitória de Lúcifer. 
O braço infernal se sobressaía, o divino tentava se defender, mas era difícil. A luta se encaminhava para o fim, Jesus não conseguiria se manter. Sentia seus ossos romperem, sentia seu sangue esquentar. "Que Deus não me abandone!", bradou. 
E a escuridão se fez. O silêncio se instaurou. A solidão começou. 
As trovoadas cessaram. A chuva parou de cair. Todos estavam imóveis em pleno espaço negro. 
Ao longe, distante de qualquer conflito, uma rosa brotou. 

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36)

Akhenaton era morto. O historiador buscava maiores informações. Visitar o Egito, em pleno inverno africano, seria uma boa ideia? Buscar talvez um dos maiores tesouros históricos da Antiguidade seria o maior motivo para fazê-lo viajar ao Egito? Ele queria conhecer Nefertiti. Ele queria saber quem era aquela mulher que carregava o nome da mais bela mulher do universo. Nefertiti. Conversava com ela em sonhos, em prazeres, em delírios, em casa, no trabalho, no cinema, na internet. Nefertiti. Um nome maculado pela ignorância ou pela sapiência de um povo? Uma mulher ahistórica ou presente num tempo e num espaço? "A minha Nefertiti será decifrada", pensou. Será, porém, que ele realmente gostaria de desvendar tal mistério? E se Akhenaton ressurgisse? Tomasse a Nefertiti pela sua? Ele nada poderia fazer. Não queria misturar realidade e fantasia. Não queria misturar história e realidade. Sondou apenas mesclar as fantasias dentro de uma história.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Um micro-conto especial

Ela partiu. Em meio às lágrimas, os passos em falso pelo horizonte nebuloso de seus sentimentos. Ela partiu e disse adeus. Que doce alma acalentaria o coração de um amor tão comedido? Ela partiu. Para nunca mais. Para todo o sempre. Para retornar e se encher de deliciosas carícias em meio às ternas palavras de minha boca. Ela partiu para aguentar firme. Ela se isolou, perdeu, se questionou, maculou-se: ela partiu pra ganhar força. Força para quê? Não viria de minhas palavras, meus abraços, meus sentimentos? Não: é hora de ela encontrar isso em si. Ela partiu. As lágrimas que sequei não são meras gotas ao relento: são passagens de tristeza, melancolia se sobrepondo ao que mais deseja. Crente em seus medos, o caminho da comodidade teria sido correto? Ela verá com o tempo. Eu, que aqui fico, vejo-a partir, apenas. Escorre-me lágrima. Olho para trás e já não mais a vejo. Ela partiu. Eu sei que ela me ama.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Mais micro-contos do Facebook!

18)
"Abra a janela e deixa o sol entrar... Casca de canela, aroma de chá..." (Nacib Véio, de Bittencourt Project)

Ao levantar-se, já tarde para seu normal, ele mal conseguia abrir os olhos: a noite havia sido quente, intensa, propícia para boas lembranças. Era o primeiro dia do ano. A casa, no interior, no meio de uma natureza ainda bela e sem descontos do tempo, estava embriagada de pessoal: tios com dor de cabeça, primos mais novos correndo pelo pátio, sobrinho com dor de barriga, mãe e avó preparando o almoço, pai sentado na cadeira. Estranhou seu velho apenas sentado, vista toda sua atividade durante o ano. Aproximou-se. Percebeu o olhar perdido. "Estás bem, pai?", questionou. Nenhuma resposta. "Pai?" - o progenitor se vira. "Acho que dormi", o senhor revela. "De olhos tão abertos? Tens certeza?", "Sim, este cheiro de comida me faz viajar no tempo" - e rememorava a época em que a sua avó caminhava por aquela casa com um chá de maçã com canela, não apenas para adocicar sua vida, mas para aromatizar o ambiente. "Ela sabia o que me fazia feliz", diz o pai. "Então tuíta isso", responde o filho.
19)
Durante a partida, o jogador tentava se concentrar. Pensava, no entanto, na mãe hospitalizada. "Pega a bola, cara", gritou o companheiro. Surpreso, corri em direção da linha lateral, intermediária ofensiva. Aproximo-me e vejo na bola o rosto de minha mãe. "Não!", esbraveja o adversário. A torcida vaia a entrada violenta do zagueiro. "Tudo bem, cara?", "Ei, cara, fala com a gente!", "Chama a ambulância, juiz! Rápido!" - Eu não via nada. Quando me dei por mim, estava ao lado de minha mãe. "Ué? Dormi aqui esta noite?", perguntei a ela. "Não, querido", ela respondeu. "Finalmente chegou a hora de nos encontrarmos."
20)
Era certo que cada um deveria seguir um caminho diferente. Os dois amigos passaram o dia comendo salgadinhos e chocolates. Em meio aos jogos de videogame, o mais velho perguntou se havia algum que fosse de corrida. O outro, meio consternado com a situação, com uma vontade louca de seguir naquele jogou, questionou o motivo. "Preciso dar umas voltas de carro", respondeu. "Tu só tens oito anos! Por que dirigir?", interpelou o outro. O mais velho ficou quieto. Para que dirigiria? Ele não poderia se acidentar, nunca mais ver o amigo? Poderia, no entanto, apressar-se, correr, ser um Sonic motorizado. Ele queria sentir o tempo passar logo.
"Sabe por que eu queria dirigir?", ele perguntou.
"Por quê?", retorquiu o mais novo.
"Pra que a vida passasse mais rápido e a gente pudesse se ver de novo."
21)
O sequestro foi profissional. De capuz vermelho, apenas os olhos expostos. A roupa colorida caracterizou o fato incomum. A moça estava pálida, amedrontada. Ele e o parceiro riam adoidados. Ela não piscava, observava o chão. "Quanto vamos pedir?", perguntou o outro. "Não sei. Acho que uns 30 mil", respondeu o encapuzado. "Só isso?", ela pensou. "Será que minha vida vale só isso?" - e começou a pensar em tudo que fazia: festas, ficantes fajutos, bebedeiras extremas, amizades em grande número e pouco sinceras; pai e mãe viajando, desfrutando toda a grana que têm; irmão em casa, estudando para a prova de residência médica. A ida pra boate do Centro, o convite macabro do novo ficante. Ei-la ali. "Acho que 40 mil", disse o encapuzado novamente. "Assim tu pagas a casa, eu pago o resto da reforma da minha. Tu juntas uns trocos e abre aquele mercado, já que temos o ponto. Eu vou fazer o maior rancho da minha vida pra mulher, ela vai se jogar em mim de tanto amor". "É pra isso? Pra isso que eles querem a minha grana?", ela pensou baixo. Virou-se pro lado. "Eu não valho mesmo por esse sequestro."
22)
"Uma foto comigo, por favor!"
E o astro resolveu se aproximar da fã.
Ela, de cabelos desgrenhados de tal endoidecimento pelo show do garoto, pede para a amiga segurar a máquina: "Tu cuida isso, pelo amor de Deus!". A outra assentiu e a fã se aproximou do ídolo.
"Pra que essa pose?", ele pergunta. "Por que eu quero ser só tua!", "Nada disso, pode te colocar no teu lugar!". Ela, abismada, antes da foto, solta-se da posição. "Como tu queres que eu fique?", "Melhor eu não dizer. Vais que tu gostes da ideia", ele respondeu. Ela pensou. Olhou pra amiga, volveu a ele. "Faço o que quiseres", ela ponderou. "Tu tens certeza? Vai ficar chato pra ti", ele afirmou.
Ele poderia qualquer coisa. Era o astro. Sentia que nenhum desejo seu seria negado. Olhou para o corpo da menina e a quis nua. Uma adoração passageira, diversão parasitária. Propôs: queria-a nua no camarim. Ela o olhou assustada. Como se estivesse olhando por uma viseira, não se virou mais para o lado: viu o camarim do seu ídolo e correu até lá. Ele, sorrindo aos olhos estranhosos e apaixonados à volta, disse que apenas iria se divertir um pouco.
A amiga, com câmera na mão, não a fotografou com ele. Mas a fotografou entrando no camarim. Além daquele sorriso ordinário do astro.
23)
É hora de deitar. Na rua, no entanto, a criança ainda contava os carros que passavam.
"Já é tarde, filho."
"Eu quero que tu tenhas um daqueles pai", disse o guri.
Apontou para um Maverick.
"É bonito. Por que aquele?"
"Parece com um dos meus hotwheels..."
"Tá bem, filho", disse em meio à risada, "agora é hora de ir dormir".
"Ei, espera, pai! E aquele?"
Apontou para um Fusca.
"É bem mais viável. Agora vamos..."
O guri foi conduzido pelo braço. Ainda olhava pra trás, pensando em cada carro. Nas cores, nas formas, na velocidade. "E se papai fsse piloto? Ele dirigiria num Fórmula 1?", "E se eu fosse piloto com ele? Ele deixaria eu ganhar?".
Perguntas sem resposta. Mas um sonho nascia.